1
No sábado, Lázaro fez a barba logo cedo por lecionar inglês em uma
escola de idiomas no centro da cidade, das oito horas até o meio-dia. Era um
local que exigia roupas sociais dos professores e ele odiava ter que ceder a
esta regra, mas o dinheiro ajudava a pagar as contas. Eram as únicas roupas passadas
com total cuidado e os sapatos eram engraxados no dia anterior para ficar do
jeito que o dono queria. Os cabelos pretos e bastos estavam crescendo e seriam
um problema em breve pois, nem o cabelo comprido era tolerado.
Apesar de ajudar a pagar as
contas, Lázaro tinha pena dos alunos, pois muitos só tinham contato com o
material de estudos durante a aula, quase impossibilitando que algum deles
conseguisse fluência algum dia. Como o curso usava apostilas e compact discs e muitos alunos
estudavam aos sábados por não ter tempo durante a semana, era comum não terem
aberto o material didático. Para muitos, era impossível ouvir os áudios já que
não tinham aparelhos reprodutores de CDs portáteis para ouvir durante o dia. Ao contrário do grupo,
Lázaro teve muitas oportunidades e aprendeu inglês na mesma escola que estudou
a vida toda. Isaac não era rico, mas investiu tudo que pode na educação do
filho até os dezoito anos, idade que Lázaro foi embora de casa e parou de falar
com o pai.
Lázaro também aprendera alemão na mesma escola. Hebraico e latim ele
aprendera até os catorze anos com os pais, mas não tinha com quem conversar
desde que se formou na faculdade e, por isso, sentia que esquecia aos poucos.
Não teve dificuldade em retomar os estudos de latim na faculdade, mas não o
teria feito se não fosse por Beatriz. Naquela época, sem ter com quem
conversar, usava os vários idiomas que sabia em suas aulas para tentar ganhar
algum respeito dos alunos. Os alunos tinham o hábito de falar orgulhosos para os que
não conheciam Lázaro que tinham um professor que falava cinco línguas, apesar de não dizer
muito mais do que algumas frases de efeito. Aos trinta anos, inglês era a única
língua que ainda se dedicava pois, era a única que ajudava a pagar as contas. Às vezes, pensava por que o pai,
dono de uma loja de móveis antigos, precisaria saber esses idiomas se, ao
contrário dele, não usava em seu emprego. Ali, na loja, dificilmente usaria
algum dos idiomas que tinha tanta preocupação em manter sempre afiado, lendo em
voz alta obras em alemão, latim e hebraico.
Ao voltar do curso de idiomas naquele sábado, Lázaro saiu do terminal de
ônibus próximo a seu apartamento, atravessou a catraca e seguiu pela calçada,
disputando espaço com outras pessoas que seguiam o sentido oposto. Para ele, era mais um
dia, mais um dentre vários dias repetidos e que Lázaro repetia com desgosto.
Desde que se formou na faculdade, há nove anos, ele sentia que os dias pareciam
cada vez mais se tornarem cinzas e sem sentido. Dizia Murilo Rubião, em seu conto sobre um
ex-mágico, que “ser funcionário público era suicidar-se aos poucos”, mas não
era só isso. Lázaro sentia que faltava algo que parecia ter ficado no passado.
Beatriz, talvez, se estivesse com ele deixaria tudo melhor e mais feliz. Contudo, desde a morte
da mãe, as coisas não iam bem e Beatriz trouxera uma alegria passageira e que
se fora junto com ela.
A única pessoa da família que Lázaro mantivera contato foi Sara, sua
prima, mas ela estava morando em outro país, trabalhando para alguma família de
classe média que precisava de uma babá com um salário medíocre. Sara era
aventureira e, ao contrário dele, estava em uma busca pessoal, longe de todos os amigos, do primo e do tio. Enquanto isso, Lázaro
tinha apenas um amigo, Adriano, que conheceu durante o período que esteve na
faculdade. Quem conhece ambos não consegue entender como o sociável Adriano se
tornou amigo do recluso Lázaro, pois nada poderia conspirar a favor: estudavam
em cursos diferentes, em universidades diferentes e viviam em realidades
diferentes. A única forma de ambos estarem juntos em um mesmo lugar era a famosa
Beatriz.
Beatriz fora um divisor de águas na vida de muitos colegas de faculdade, os incentivando a continuar
seus cursos, inspirando a mudar para os cursos que amavam realmente ou até mesmo
incentivando jovens que não gostavam da faculdade a desistir do curso e buscar
a felicidade em outro lugar – “só não se desiste da felicidade e da vida” ou “só se vive uma vez,
meu camba”, dizia ela, conversando com seus amigos. Beatriz era, para
Lázaro, uma luz que não podia faltar nas festas da faculdade. As rodas de
conversa eram sempre em torno dela ou sobre ela. Os detratores da mulher eram
escorraçados ao som de “olha o invejoso” ou “ninguém fala mal da Beatriz perto
de mim”, frases comuns nos lábios de Lázaro.
Enquanto seguia pela calçada, todos esses pensamentos passavam pela
mente de Lázaro, e ele se tornava mais infeliz. Por mais piegas que alguém pudesse pensar,
Lázaro tinha certeza que seu primeiro e único amor fora embora para Portugal há
cerca de nove anos, na mesma semana em que eles colaram grau na faculdade. Após uma pequena festa
em um bar próximo à moradia dos estudantes da universidade, ele não mais teve
notícias. Logo depois, mudou-se para o apartamento que estava até o momento.
Subindo as escadas do prédio, Lázaro ouviu um burburinho vindo do patamar
de seu andar e já suspeitava que seria Andreia. Passou sem dar muita atenção,
dizendo apenas “boa tarde”.
– Olha que homem trabalhador. Muito esforçado, como poucos hoje.
Lázaro não respondeu. Abriu a porta e, ao se virar para fechá-la, acenou
com a cabeça em sinal de despedida, podendo ver que havia uma segunda pessoa: Anahí. Dentro do
apartamento, podia ouvir uma delas rindo baixo, mas de maneira audível. Quando
se afastou da porta, chutou um pedaço de papel. Ele abaixou, pegou o papel e
foi se dirigindo à cozinha enquanto o monólogo continuava do lado de fora.
– Você viu a cara de bravo dele? Mas é só cara. Ele é muito bonzinho. – Andreia falou em tom de deboche.
Na cozinha, Lázaro pegou um copo de água no filtro de barro e se sentou
na pequena mesa de quatro lugares. Já sentado, pegou o papel que tinha seu nome
escrito em uma letra elegante e o abriu. Era um bilhete com uma letra um pouco
torta, provavelmente escrita às pressas. Ele supôs que quem o escreveu esperava encontrá-lo no apartamento.
“Lázaro,
Espero que se lembre de mim. Sou Abner, um antigo amigo de seu pai.
Venho por meio deste bilhete lhe trazer uma triste notícia. Nesta madrugada,
seu pai foi levado às pressas ao
hospital da Unicamp, mas veio a falecer...”
Lázaro parou de ler. Colocou o copo sobre a mesa e ficou parado, olhando para o bilhete.
Naquele instante, ele relembrou do sonho daquela madrugada, mas que não deu
importância, apesar de ter ocorrido da mesma maneira quando sua mãe morrera.
Quando tinha catorze anos, um dia antes da morte da sua mãe, ele teve um pesadelo
em que ela se afastava, olhando-o e dizendo para ele ser forte, que ela iria
embora. Era um pesadelo realista, mas com características irreais. Nesta
madrugada, o sonho era semelhante, mas Lázaro viu o pai se aproximando dele e
falando “estou indo sem explicar tudo, mas em breve explicarei. Tenha atenção
porque você também está em perigo.” Lázaro acordou no mesmo instante com o arrepio causado pela mensagem,
mas voltou a dormir logo depois. Não havia como supor uma conexão entre dois
sonhos com dezesseis anos de diferença.
Após essa primeira reflexão, Lázaro começou a sentir um misto de raiva e
culpa. Ele culpou o pai pela morte da mãe por alguns anos, mas essa raiva
passou. O que sobrou foi o hábito de ficar longe. Isaac nunca foi ao seu apartamento, nunca forçou a
reaproximação. Agora, não haveria mais qualquer chance. Tudo estava acabado e
não havia prazer em saber que Isaac não estava mais vivo. Lázaro se levantou da
cadeira e foi para o quarto, tirou os sapatos e, ainda vestido com roupas que odiava,
se deitou. Ali, ouvindo os risos da vizinha que vinham pela porta e o som das
crianças brincando na rua, ele chorou em silêncio.
No fim da tarde, Lázaro acordou e lembrou-se que o bilhete não era um
sonho. Não terminara de ler e precisava saber o que estava escrito. Descalço,
foi andando até a cozinha. A luz do crepúsculo não era suficiente para enxergar
o ambiente e ele acendeu a lâmpada. O bilhete ainda estava no mesmo lugar e ele
voltou a lê-lo.
“Lázaro,
Espero que se lembre de mim. Sou Abner, um antigo amigo de seu pai.
Venho por meio deste bilhete lhe trazer uma triste notícia. Nesta madrugada,
seu pai foi levado às pressas ao
hospital da Unicamp, mas veio a falecer. Os médicos acreditam que seja alguma doença
crônica, pois ele vinha se consultando com certa frequência estes últimos
meses. Precisamos que você ligue no número abaixo para podermos organizar os
preparativos do enterro.
Atenciosamente,
Abner”
Lázaro saiu do apartamento, vigiado por Andreia, desceu para a rua e
caminhou apressadamente até um telefone público que ficava na calçada. Apesar
de ser mais simples ter um telefone em casa, Lázaro preferia não ter mais uma
despesa. Usava pouco o telefone e seria um dos poucos no prédio. Em pouco tempo
a vizinhança estaria batendo a sua porta pedindo para usá-lo com desculpas como
“é rapidinho” ou “é só desta vez”.
– Alô.
– É... alô. Aqui é o Lázaro.
– Shalom Lázaro, aqui é o Abner.
Meus pêsames.
– Hmmm... obrigado. Estou ligando para saber o que eu preciso fazer. –
Lázaro se sentia desconfortável por não conseguir demonstrar na voz o
abatimento pela notícia, mesmo se sentindo muito mal com a morte do pai.
– Então, você é o único que pode liberar o corpo dele. Precisamos que você venha até o Instituto Médico Legal que fica no bairro do Botafogo, uma
rua para cima da avenida Andrade Neves. Nós temos os documentos dele.
– Ah sim, obrigado.
– É só isso que você precisa fazer. Apesar de seu pai não participar com
frequência das atividades da fé judaica, vamos enterrá-lo conforme a tradição.
– Certo... obrigado. Eu vou me preparar para ir aí.
– Nitra'e me'uĥar yoter, Lázaro.
– Nitra'e me'uĥar yoter, Abner. – respondeu Lázaro, sentindo que falava de forma forçada um
idioma que há anos não usava, mas tinha vivo seu significado na memória: “Até
mais tarde”. – Ah... toda. – disse, e significava “Obrigado”.
– De nada. Tchau.
– Tchau.
Lázaro mal desligou o telefone e, ainda confuso com a conversa, tornou a
usá-lo, ligando para seu amigo Adriano.
– Olá, Adriano.
– Oi, Lázaro. Tudo bem? Como você está. – respondeu Adriano, com sua
costumeira animação.
– Ah... meu pai morreu.
– Como assim, Lázaro? Seu pai morreu? – a voz animada mudou para uma
estarrecida.
– Sim, essa madrugada...
– Mas você nem me falou que ele estava doente. – Adriano interrompeu antes
que Lázaro concluísse sua explicação.
– Então, eu não sabia também. Você sabe bem que eu não converso com ele há
muito tempo.
– Mas, Lázaro, é seu pai. Ele não falou nada?
– Nada. Juro.
Lázaro emudeceu. Adriano ficou quieto alguns segundos também.
– Caramba, Lázaro... então, é... você ligou para me dizer o quê?
– Eu... preciso de ajuda.
– Opa, claro! O que você precisa?
– Preciso ir ao IML liberar o corpo. Um amigo do meu pai vai cuidar de
todo o resto, mas eu não conheço ninguém lá... na verdade eu conheço alguns,
mas não vejo esses amigos dele há anos.
– Okay. Eu passo aí na sua casa daqui uma hora, pode ser?
– Eu vou ficar esperando no portão. Obrigado.
– Sempre às ordens, cara. Até mais.
Lázaro desligou o telefone e voltou ao apartamento. Ao subir os degraus,
ouviu uma porta sendo destrancada no seu andar. Mal chegara no patamar e
Andreia abriu a porta.
– Indo ligar para suas amantes, Lázaro? – Andreia estava mais debochada que antes.
Lázaro não respondeu. Levou a chave à porta e a abriu.
– Não tem mais educação não, Lázaro? – perguntou a moça, sarcástica.
– Vai à merda e boa noite. – Lázaro respondeu, monótono.
Andreia deu um suspiro abafado. Não esperava Lázaro lhe ofender, pois
nunca fizera antes. Sempre paciente, normalmente evitava falar quando sabia que
o que tinha para dizer não era minimamente educado. Antes de terminar de
trancar a porta, ouviu Andreia gritando pela mãe e dizendo a grosseria que
ouvira à porta. A resposta de Ieda foi apenas “essa é a paga de querer cuidar
da vida dos outros. Entra e tranca a porta”. As últimas coisas foram um “ai, mãe!” longo e choroso de
criança vindo de Andreia. Por fim, ele ouviu o som da porta se fechando.
Lázaro usou apenas trinta dos sessenta minutos que tinha para se
arrumar. Comeu pão adormecido e tomou leite em vez de jantar, tomou banhou,
escovou os dentes, vestiu a habitual roupa simples que usava para ir trabalhar,
pegou a carteira e se sentou no sofá da sala. Os próximos trinta minutos seriam
longos e ele ligou seu televisor para se distrair. Na sua casa tinha este
pequeno televisor que ele quase nunca ligava e um toca discos. Os discos de vinil eram ainda da sua
adolescência e guardados com muito cuidado, porém, alguns se perderam entre empréstimos
para ex-amigos que juraram ter devolvido ou durante festas em que o DJ
precisava de mais discos do que tinha e este não tinha o cuidado devido. Os
únicos que ele não emprestava eram os dados por sua mãe. Após um ex-colega de
faculdade ter furtado um dos discos, os outros três presentes de Ruth não eram retirados
nem mesmo para serem ouvidos. Do pai, não guardava nada em especial. Da mãe,
tinha os discos e um anel antigo, herança de família, dado por ela quando ele
tinha treze anos. Contemplando o anel, Lázaro pensou como era estranho que
sempre o usara no mesmo dedo desde que ganhou e nunca tivera nem que alargá-lo
ou usar algum calço para que ele não caísse.
Suas reflexões lhe renderam vinte minutos. Os outros dez minutos ele usou
para descer as escadas e esperar na calçada, porém, os poucos minutos que lhe sobraram
pareceram tão longos quanto os outros que haviam passado. Adriano atrasou
poucos minutos e pediu desculpas por isso, mas Lázaro disse que não havia
problemas. O caminho até o centro da cidade não era difícil e demorou apenas
vinte minutos, mas pensar em ter que reconhecer o pai morto fazia tudo demorar
mais. A única conversa durante
a viagem foi se Lázaro avisaria a prima Sara, mas ele não soube responder
quando faria isso, apesar de ter certeza que era fundamental que ela soubesse.
Sara amava o tio mais do que ele amava o próprio pai.
Os amigos estacionaram na porta do prédio às vinte horas e entraram
juntos. Abner e outros amigos de
Isaac os aguardavam e os cumprimentaram, expressando suas condolências aos dois. Era uma noite com pouco
movimento e o reconhecimento e a liberação do cadáver foram rápidos. Lázaro foi
até onde estava o pai, fez a confirmação do corpo e assinou os documentos de
liberação. Apesar do afastamento em relação ao pai, os olhos de Lázaro
demonstraram sua emoção contida. Dezesseis anos se passaram desde que Lázaro
assumiu para si mesmo que Isaac era o maior responsável pela morte de Ruth.
Pensava naquele momento quanto de suas atitudes não teriam sido responsáveis
por essa segunda morte.
Após a assinatura dos documentos para liberação do corpo, os Chevra
Kadisha, responsáveis pelo funeral judaico, assumiram dali em diante.
– Você quer participar da preparação para o funeral, Lázaro? – perguntou
Abner.
– Eu? Ah... – Lázaro engoliu seco. – não. Este é o segundo velório que eu
vou, e o outro foi da minha mãe. Eu não tenho experiência para esse tipo de
situação.
– Entendo... bem, amanhã cedo você deve estar no cemitério da associação.
Ele será sepultado próximo à sua mãe.
– Obrigado a todos e boa noite. – Lázaro disse, sem pensar.
– De nada e boa noite. – responderam os
homens.
Lázaro e Adriano saíram do prédio enquanto os homens ficaram para os
ritos funerários. Quando estavam entrando no carro e partindo do local, Adriano
se virou para falar com o amigo.
– Que vocês falaram antes de sair?
– Nos despedimos. Você não ouviu? – Lázaro perguntou, confuso com a
obviedade da situação.
– Ouvi, mas não entendi. Você falou em hebraico, eu acho.
– Falei? Nossa, faz tanto tempo que não converso em hebraico. Aliás, para
não dizer que não falei nada estes anos, antes de desligar a ligação do Abner e
ele disse até mais tarde em hebraico, mas, na hora, senti uma dificuldade em
articular as palavras. Elas estavam na minha mente, mas senti que elas não
saíram direito.
– Bem, agora parecia ter saído certinho. Os caras até responderam.
– Estranho isso... acho que isso tudo não me fez bem... eu até xinguei
minha vizinha. A primeira vez que faço isso.
– Ela te irritou? Foi antes ou depois da ligação do Abner? – perguntou
Adriano.
– Depois. Sempre me irritou, mas foi a primeira vez que eu a xinguei.
– Acho que se me irritasse após uma ligação dessa, até eu xingaria. –
Adriano ponderou.
– Pode ser, mas eu prefiro
manter o mínimo de postura frente às pessoas. A minha sorte é que minha vizinha
me respeita e, daí, sobrou para a menina.
– Bem, que seja. Vamos pensar
em amanhã. Que horas você quer que eu te busque?
– Não precisa ir. Se eu sair de casa às seis da manhã, até as oito eu
chego no cemitério. – disse Lázaro, em tom reconfortante.
– Não precisa ir de ônibus.
Vou representar sua prima no enterro.
– Nossa... tem ela ainda para
avisar. – Lázaro estava preocupado.
– Não tem problema. Anota para
mim o número que eu ligo de casa para ela amanhã cedo.
Lázaro registrou o número com código de país, área e o número da linha.
Adriano não falava inglês tão bem quanto Lázaro, mas conseguia se comunicar, e
seria necessário esse mínimo de conhecimento para ligar para a residência em
que Sara morava como babá. Supondo que Sara não atendesse, seria bom deixar algumas frases prontas,
talvez, um recado.
Em vinte minutos, Lázaro estava em frente ao seu prédio. Agradeceu a
carona de Adriano e eles combinaram de ir para o cemitério às sete horas.
Lázaro subiu para o apartamento e, enquanto abria a porta, ouviu a porta da
vizinha destrancando – era Ieda.
– Boa noite, Lázaro.
– Oi, boa noite, dona Ieda. – disse Lázaro, com tom falsamente animado.
– Está tudo bem? – a pergunta tinha um tom preocupado.
– Ah... sim. Por quê?
– Não sei. Eu sinto que não está. Já acordei de manhã com uma sensação
estranha e, daí apareceu aquele homem, né? Bem, sei que não é da minha conta,
mas somos vizinhos, então, se precisar de alguma coisa...
– Agradeço a preocupação, mas não se preocupe. Pode ficar sossegada. Boa
noite.
– Está certo, então. Boa noite.
Ambos trancaram suas portas e continuaram suas vidas. Lázaro foi até o banheiro lavar as mãos enquanto pensava se foi certo mentir para a vizinha. Pensou que as pessoas perguntam se está tudo bem, mas não querem saber a verdade. Porém, as pessoas não ficam esperando até à noite para saber como os outros estão. Ele poderia confidenciar a informação com Ieda, mas, ao mesmo tempo, essa informação poderia gerar falsa comoção de todos que moravam ali, e não seriam poucos. Pelo tempo que pudesse, era melhor guardar para si do que ter que enfrentar uma turba de falsos piedosos querendo se sentir melhores enquanto fingiam demonstrar compaixão da desgraça de quem eles mal conheciam.